Em um recente Curso online sobre História Romana ministrado pelo Instituto Mundo Antigo, surgiu uma pergunta de fato curiosa: por que o filosófico Marco Aurélio escolheu como seu sucessor um imperador que, aparentemente, não estava à altura da tradição antonina na qual se inseria Marco Aurélio, que ficou conhecida como a dos “bons imperadores”.

Os chamados imperadores antoninos (o título advém do nome de um dos imperadores, Antonino Pio) do século II d.C., com efeito, foram admirados na Antiguidade por terem trazido estabilidade política e paz para o mundo romano. Nas palavras um tanto exageradas de Élio Aristides, um retórico grego contemporâneo a este período, com os Antoninos os romanos puderam guardar as armas e aproveitar o prazer de viver. Um dos indícios de estabilidade política pode ser percebido na própria sucessão entre os imperadores antoninos: em lugar de conspirações, assassinatos ou suicídios que marcaram certos períodos anteriores, a exemplo do assassinato de Calígula, do suicídio de Nero e da guerra entre postulantes a imperador em 68/69 d.C., com os Antoninos nós temos sucessões pacíficas e mesmo planejadas. Com eles, difunde-se a prática dos imperadores adotarem como filho e herdeiro político figuras que já tinham demonstrado méritos militares e administrativos. Dessa maneira, o risco seria menor em relação a passar a sucessão imperial para um filho biológico com poucas competências.

A sucessão de Marco Aurélio, contudo, regride aos critérios hereditários e biológicos. Ele compartilha, desde 177, parte das prerrogativas de imperador com seu único filho ainda vivo, Cómodo. Após a morte do autor de Meditações na região do Danúbio em 180, Cómodo torna-se imperador, uma função que ocupará por doze anos.

Pois bem, Cómodo entrou para a História Romana como mais um dos imperadores “loucos”, a exemplo de Calígula e Nero. Diziam as fontes antigas que Cómodo pretendia ser o novo Hércules, além do que descuidava da administração do Império, preferindo dedicar sua atenção às corridas de carros (carroças) e lutas de gladiadores.

Dion Cássio, escritor contemporâneo a estes acontecimentos, sustentou que entre o reinado de Marco Aurélio e o de Cómodo : “nossa história agora desce de um reino de ouro para um de ferro e ferrugem”. Ora, tendo Marco Aurélio sido um dos mais cultos imperadores da História Romana, por qual razão ele passou seu poder para uma figura assim retratada?

Um primeiro elemento a ter em conta é que Marco Aurélio preparou pessoalmente o seu filho enquanto seu sucessor, tendo oferecido uma educação cuidada. Cómodo teve sua carreira política extremamente beneficiada por ser filho do imperador, tendo se tornado Cônsul com somente 15 anos, um recorde absoluto na História de Roma até então. Aos 16, o adolescente foi nomeado Augustus e Co-Imperador! Quando Marco Aurélio morre, seu filho é um jovem de 19 anos cuja aptidão política mostrou-se distinta daquilo que o seu pai provavelmente imaginava.

Cómodo teve um reinado atípico em relação aos “bons imperadores” anteriores: primeiro, tensão aguda com o Senado, especiamente a partir de 182, quando teve lugar uma conspiração contra ele envolvendo senadores e sua própria irmã, Lucilla. “Tensão”, neste tipo de situação, significou perseguições e assassinatos de senadores e aristocratas por ordem do imperador; segundo, Cómodo, por diversas vezes, parece ter cedido o controle da administração imperial a subordinados, como o prefeito da guarda pretoriana, Tigidius Perennis, e mesmo um antigo escravo promovido à ordem equestre, Cleandro.

Assim, o episódio da sucessão de Marco Aurélio pode ilustrar o caráter instável de sucessões imperiais que se baseavam em laços de hereditariedade familiar. O imperador filósofo, como o chama o historiador Pierre Grimal na sua biografia dedicada a Marco Aurélio publicada pela Jorge Zahar, foi admirado entre os antigos. A escolha de Cómodo, contudo, foi apontada como o seu grande erro. A título de exemplo, Juliano, o Apóstata, que governou o Império Romano de 361 a 363, comentou nos seus Césares que o único erro de Marco Aurélio foi justamente ter escolhido Cómodo enquanto sucessor. Nos Impérios da Antiguidade, e com o Império Romano não foi distinto, o momento da sucessão foi sempre um tema muito delicado, que poderia gerar disputas e violências. Nem os elogiados Antoninos conseguiram escapar desta sorte. Mas o Império Romano sobreviveu, como (quase) sempre.


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Félix Jácome

Historiador. Doutor e Mestre em Estudos Clássicos - Mundo Antigo- na Universidade de Coimbra. Apaixonado pelas culturas antigas e sua importância para o nosso mundo.

2 Comments

Fábio Sepulvida Tavares · 23 de março de 2021 at 17:33

Onde posso encontrar o link do referido curso?

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